A pedido de vários que já não entendem francês, a tradução da entrevista do Sensei Morio Higaonna aqui deixada.
UM GRANDE MESTRE DE GOJU-RYU, 7º DAN. MORIO HIGAONNA
INSTRUTOR-CHEFE DO GOJU-RYU NO JAPÃO
Morio Higaonna começou a estudar Karate aos 14 anos sob
instruções do seu pai, polícia em Okinawa. Continuou depois os seus treinos na
escola secundária e depois na escola superior comercial de Naha. Karatekas de
diferentes estilos aí se encontravam e praticavam em conjunto o “Shorin-ryu”
(antepassado do Shotokan) e o Goju-ryu.
Seduzido pela potência que emanava do Goju-ryu obtém
rapidamente uma carta de recomendação que lhe permitiria continuar o seu
estudo. Descobriu novos katas e encontrou nos exercícios respiratórios um
interesse suplementar e uma nova motivação para a prática de Goju-ryu.
Nessa época o Sempai (senior) que dirigia o treino de
Higaonna ensinou-lhe que antes da guerra o Sensei Chojun MIyagi, fundador do
goju-ryu ensinara nessa escola.
Os karatecas provinham dos dois principais sistemas (Shoriu
e Goju) e treinavam em conjunto. Os treinos eram pois muito interessantes:
encontros inter-escolas realizavam-se frequentemente complementando os treinos.
Os combatentes praticavam, então, um Karate de contacto muito duro. Todavia,
nenhum ponto era atribuído, apenas contava o KO, chudan. O karateka mais forte
do clube era então nomeado capitão do dojo, título ambicionado que se
partilhava pelos karatekas dos dois estilos. Ora era um de Shorin-ryu, ora era
um de Goju-ryu.
Aos 17 anos de idade, Higaonna foi convidado para treinar
sob direcção do Sensei Miyazato, num dojo localizado na casa de Chojun Miyagi.
O treino tinha lugar na maior parte do tempo no jardim do defunto, arranjado
com diversos tipos de makiwaras e com diferentes pesos para os exercícios de
musculação: fundamentalmente chi’shi (halteres curtos de pedra).
Ai quinze alunos treinavam todos os dias, excepto ao
Domingo. Durante esse período o jovem Higaonna treinava de oito a dez horas por
dia!!! Retrospectivamente Higaonna admite que um treino desse tipo era demasiado
duro. Ele foi mesmo vítima de falhas físicas graves. Todas as manhãs em consagradas
ao ki-hon (treino de base), seguido do treino de makiwara, depois o treino
terminava com um longo “footing” destinado a desenvolver a endurance e a
resistência. Das 15h30 às 19h novo treino no dojo da escola superior. Após um
breve descanso o treino era retomado na casa de Miyuji [lapso de impressão, é,
obviamente, a casa de Miyagi] para uma nova sessão de três horas: os kata eram
particularmente importantes. O Sensei Miyazato ordenava que cada karateka realizasse
mais de mil vezes cada passagem que representasse uma dificuldade. O treino
terminava com yakusoku kumite (combate pré-determinado) e de fyu [lapso de
impressão, é, obviamente, jyu] kumite (combate livre) a partir da posição de
shizentai (postura natural) destinado a desenvolver os reflexos. O treino
terminava com um exercício específico do Goju-ryu designado kakete no qual cada
praticante deve bloquear, com o ângulo formado pelo punho e mão qualquer
ataque. Esse exercício era considerado como o melhor para desenvolver vigor e
força nas técnicas destinadas a agarrar.
É durante esta passagem pela escola superior, que Higaonna
começa a estudar o kobujutsu de Okinawa sob direcção de Sensei Kasahara. Após
conclusão dos seus estudos comerciais, recebeu o seu diploma, Higaonna entre
num banco em Haha [lapso de impressão, é, obviamente, Naha]. Após um ano deixou
o banco e decidiu consagrar-se totalmente ao Karate.
Técnica e cortesia
Na mesma época o Sensei Miyazato abriu um novo dojo de Goju-ryu
[refere-se, evidentemente, ao Jundokan, inaugurado em 1957] onde experimentou
uma armadura destinada a atenuar os golpes e a permitir aos alunos poder
treinar com a máxima força e sem perigo. A experiência fracassou, uma vez que
alunos de diferentes níveis treinavam em conjunto. Miyazato decidiu introduzir
no Goju-ryu um sistema de graduações que antes não existia, uma vez que antes
não graduara ninguém.
Por vezes um instrutor de outro estilo visitava o dojo.
Nessas ocasiões a atmosfera não era particularmente amigável, devido às dissensões
causadas pela rivalidade criada entre professores.
Indiferentes a esse clima os alunos treinavam frequentemente
juntos, partilhando técnicas.
Em 1959, Higaonna obteve o seu exame de San Dan (3º grau),
deixando Okinawa indo para o Japão. Entra em Takushoku Dai gaku (universidade)
em 1960. Sai alguns anos mais tarde munido da sua licenciatura em “import-export”.
Durante os seus estudos, treina-se em Yoyogi, um bairro de
Tóquio, no dojo do Mestre Aragaki que ensinava o estilo Shoriu ryu. Aragaki
reparou no jovem de Okinawa e pediu-lhe que ensinasse Goju-ryu. Higaonna partilhava
a semana em duas: dava aulas às quintas, sextas e sábados e menos de dois meses
depois setecentos alunos frequentavam as suas aulas. Tornava-se no Sensei
Higaonna. Paralelamente aos seus treinos, continuou os seus estudos de kobudo
sob direcção de Sensei Taira Shiuken [lapso de impressão, é, obviamente, Shinken],
em perito em kobudo de Okinawa.
Higaonna começa igualmente a ensinar em numerosos dojos,
incluindo uma secção na Universidade de Takushuki – esta última famosa pela
formação de excelentes karatecas do estilo Shotokan. O jovem de Okinawa
conseguia impor-se graças ao seu elevado nível técnico e à sua cortesia. Criou
excelentes relações entre os professores de outros estilos e os praticantes de Goju-ryu.
Higaonna começa, igualmente, a ensinar estudantes estrangeiros que são sempre
muito bem recebidos no seu dojo.
Higaonna concede muita importância ao equilíbrio humano. Segundo
ele o treino deve ser dividido entre técnicas duras e suaves, lentas e rápidas,
com o propósito de estabelecer a harmonia a cada aspecto do individuo. Concede
igualmente um lugar de importância ao ki-hon. Frequentemente cada técnica é
repetida mil vezes ou mais. Os katas são igualmente muito importantes. “Da
mestria das técnicas de um kata, fluí a facilidade e segurança no kumite”. Esta
máxima grava-se no coração do jovem mestre. Basta vê-lo na demonstração do seu
kata favorito “suparumpai” [lapso de impressão, é, obviamente, suparinpei] que
efectua contra quatro adversários, para o percebermos.
Todavia não dissocia kumite de kata. O Karate é um todo que
se deve descobrir progressivamente. Os professores de Okinawa opõem-se
geralmente ao Karate de competição. Higaonna pensa que é uma etapa na
progressão e que deve ser cada um a determinar a importância a conceder-lhe. Todavia,
afirma, deve evitar-se cair na armadilha de um Karate “standartizado”, com eixo
fundamentalmente em técnicas pontuantes, uma vez que o verdadeiro Karate não se
confina a uns poucos movimentos.
Uma força
extraordinária
A sua longa prática de chi shi e de halteres conferiu-lhe
uma força extraordinária nas técnicas destinadas a agarrar e prender. E quando
agarra um adversário na garganta, não é necessário a este possuir uma grande
imaginação para perceber os danos que causaria tal ataque em combate real.
Higaonna pensa que os peritos dos diversos estilos em vez de se envolverem em
querelas inúteis deviriam trabalhar em conjunto para progresso do Karate. Lembrando-se
da vida do Mestre Migaji [lapso de impressão, é, obviamente, Miyagi], Higaonna
tenta aplicar os princípios deste. Jamais fumou ou bebeu álcool e continua a
treinar todos os dias. Todos os anos regressa a Okinawa para treinar com o seu
mestre e os seus companheiros. Quando lhe perguntei a sua definição de Karate,
respondeu-me:
- É o estudo das relações humanas.
Se os professores de Karate são legiões, os verdadeiros
mestres são raros. Higaonna é um deles.
Gérard Finot
(Karate, nº 21,
Maio de 1976, pp. 36-39)